O que é Epilepsia?

A Epilepsia é uma doença do sistema nervoso central caracterizada pela predisposição a ter crises epilépticas. Além disso, definições mais atuais incluem  as consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais advindas da epilepsia. Em outras palavras, isso significa que o paciente epiléptico sofre impactos na sua qualidade de vida em decorrência das crises epilépticas. Portanto, o bom diagnóstico da epilepsia requer o entendimento tanto das crises como do modo como afetam o cotidiano da pessoa. Consequentemente, o tratamento pretende controlar as crises, bem como restabelecer a plena funcionalidade do indivíduo.

O que são crises epilépticas?

As crises epilépticas são manifestações paroxísticas, ou seja, acontecem subitamente e voltam inesperadamente. O que acontece no cérebro é uma descarga elétrica excessiva de um grupo de neurônios ou do cérebro inteiro. Os neurônios são as principais células cerebrais; elas transmitem informações por meio de pequenos impulsos elétricos e químicos para realizar as mais diversas funções cerebrais. Desse modo, se um grupo de neurônio da área motora do cérebro apresenta uma crise epiléptica, a manifestação física dela será de movimentação de uma parte do corpo. Por exemplo, se forem os neurônios relativos ao braço direito que estão disparando excessivamente, haverá contrações involuntárias daquele membro. Isso é importante porque dependendo dos sintomas da crise, o médico neurologista consegue ter uma ideia de onde ela está começando no cérebro.

O Eletroencefalograma

O Eletroencefalograma ou EEG serve para registrar as descargas elétricas normais ou patológicas do cérebro. Os eletrodos são posicionados sobre o couro cabeludo e quando um grupo de alguns milhões de neurônios disparam, isso gera um campo elétrico que é captado pelos eletrodos e registrados no aparelho. Na maioria das epilepsias, o EEG é completamente normal fora dos períodos de crise. Entretanto, 40% dos pacientes apresentam descargas anômalas que podem ser vistas no EEG. Essas descargas indicam onde está o foco da crise e são chamadas interictais quando são registradas nos períodos sem crise. Por outro lado, as descargas ictais são aquelas que acontecem junto com a manifestação da crise epiléptica e são a expressão do desarranjo do cérebro durante a crise.

A Eletroencefalogram ictal (ou seja, durante as crises) é o que nos fornece mais informações sobre o tipo da crise, onde se origina e como se propaga. Todavia, é difícil conseguir registrar uma crise no momento de sua ocorrência. A maioria das pessoas tem crises esporádicas e procuramos por pistas no EEG interictal que indiquem o tipo de epilepsia para uma melhor escolha de tratamento. As descargas que aparecem entre as crises podem sinalizar um provável foco epiléptico. Abaixo, vemos um registro com descargas epileptiformes na região frontal. Observe que o traçado é diferente do resto do EEG.

epilepsia focal
Descargas tipo epilépticas mostram aqui um foco na região frontal direita

Em alguns casos mais difíceis, indicamos a internação do paciente para a monitorização do EEG junto com vídeo por vários dias. O que buscamos com o videoEEG é registrar várias crises durante seu acontecimento. Por conseguinte, medidas avançadas de tratamento são possível com os dados assim obtidos.

Exames de imagem na epilepsia

Muitos pacientes esperam que suas crises apareçam de alguma forma na tomografia ou na ressonância magnética. Entretanto, para decepção de muitos, na maioria dos casos os exames de imagem são normais. Isso não significa que o paciente não tenha epilepsia. Apenas quer dizer que suas alterações estão no nível microscópico, invisível aos aparelhos, ou que somente a função está comprometida. De fato, é melhor ter uma ressonância normal do que uma alterada. Isso porque pessoas que têm lesões evidentes nos exames de imagem provavelmente precisarão de remédio a vida toda, a não ser que sejam operadas.

Atualmente, a tomografia computadorizada de crânio tem pouco valor no estudo da epilepsia. Em geral, o que desejamos no mínimo é uma boa ressonância magnética. Todavia, não basta fazer uma ressonância comum; é preciso utilizar protocolos específicos para epilepsia. As técnicas avançadas de imagem podem auxiliar na detecção da área epileptogênica. Para tanto, os grandes centros realizam um “protocolo para epilepsia” na ressonância, com cortes finos nos lobos temporais ou nas áreas indicadas pelo EEG.

Atrofia de hipocampo é uma das causas da epilepsia.
Existe uma atrofia no hipocampo direito(círculo vermelho), área responsável por muitas crises epilépticas
Existe uma atrofia no hipocampo direito(círculo vermelho), área responsável por muitas crises epilépticas

As técnicas mais avançadas de ressonância podem fornecer várias informações cruciais. Técnicas como SPGR e MPRAGE conseguem diferenciar melhor as substâncias branca e cinzenta, assim é possível procurar anormalidades na estrutura cortical. A chance de encontrar uma alteração na epilepsia focal com os novos protocolos de RNM é quase o dobro.

Além da ressonância nuclear magnética, é possível também fazer SPECT ictal e interictal, PET-CT e video EEG para detalhamento dos casos mais graves. Especialmente nos casos destinados a tratamento cirúrgico, a investigação completa proporciona inclusive melhor delimitação de áreas críticas.

Classificação das Epilepsias

No vídeo EEG acima vimos uma garota tendo um tipo de crise epiléptica denominado “ausência simples da infância”. Se observarmos no registro do EEG, podemos notar que as descargas anormais acontecem simultaneamente em todas as linhas. Em outras palavras, suas crises são primariamente generalizadas porque acontecem em todo o cérebro ao mesmo tempo. A Liga Internacional Contra a Epilepsia  mantém uma classificação das epilepsias e das crises epilépticas. A importância disso é que os tratamentos são diferentes de acordo com o tipo de crise que o paciente tem. A última definição de epilepsia é de 2014 e a última classificação é de 2017.

Para a classificação das Epilepsias são levados em conta alguns fatores:

  • tipos de crises epilépticas (o mesmo paciente pode ter mais de um tipo de crise)
  • tipo da epilepsia com base nos tipos de crises epilépticas
  • as síndromes epilépticas – conjunto de sintomas clínicos e padrões especiais de EEG
  • fatores etiológicos (causas da epilepsia)
  • outras doenças associadas (lesões de pele na esclerose tuberosa, por exemplo)

Observe-se então que para entender o tipo de epilepsia do paciente é fundamental compreender como são as crises epilépticas. Para tanto, tentamos obter o máximo de informações sobre as crises, especialmente as que foram testemunhadas pelos acompanhantes. É preciso saber os horários mais frequentes, como as crises se iniciam, se existe algum sintoma de aviso e quanto tempo duram. Se possível, recomendamos que um dos familiares filme os episódios enquanto outro presta o socorro da forma que indicamos. Em geral os familiares se preocupam muito com as convulsões e se o paciente salivou durante a crise. Na verdade, a salivação é menos importante do que, por exemplo, se o paciente ficou alheio por alguns segundos antes de convulsionar. Igualmente, movimentos automáticos como de mastigação ou piscamento no início dos episódios podem ser esclarecedores.

Ainda para a caracterização do tipo das crises epilépticas, contamos com o registro do EEG que pode ser típico em alguns casos. Na Ausência Simples da infância, as crises são acompanhadas por um padrão generalizado de espícula-onda lenta a 3 ciclos por segundo de projeção generalizada. Às vezes basta pedir para que a criança respire mais forte durante o eletroencefalograma para que apareçam os sinais.

O trabalho para classificação das crises é bastante minucioso, principalmente porque um único paciente pode ter mais de um tipo de crise. Em 2017 a classificação das crises foi atualizada e se pode ver na figura abaixo o quanto o neurologista deve se dedicar para entender cada caso individual.

Tipos de crises epilépticas
Classificação atualizada das crises epilépticas (fonte: ILAE.org)
Classificação atualizada das crises epilépticas (fonte: ILAE.org)

Tratamento da Epilepsia

Controle das crises com qualidade de vida é a meta.
Fácil como 1, 2, 3.

Passo a passo:

  1. Agende sua consulta
  2. Faça os exames solicitados
  3. Inicie seu novo tratamento

Objetivos:

  1. controle total das crises
  2. tratamento bem tolerado
  3. ótima qualidade de vida

Medicamentos para Epilepsia

Existem diversos medicamentos disponíveis para o tratamento da epilepsia. Há alguns muito antigos como o fenobarbital criado em 1904 e outros bem recentes como o Perampanel desenvolvido em 2012. Cada medicamento tem uma forma de ação no sistema nervoso central e um perfil próprio de possíveis efeitos adversos. Com base no tipo de crise a ser tratada e nas características do paciente, escolhemos a melhor opção terapêutica. Desse modo, buscamos o controle completo das crises e a manutenção do bem estar do paciente.

medicamentos contra epilepsia
Existem várias opções de tratamento da epilepsia no Brasil
Existem várias opções de tratamento da epilepsia no Brasil

Quantos medicamentos são necessários para controlar a epilepsia?

Na maioria dos casos, um único medicamento é suficiente para evitar totalmente as crises. Em realidade, a preferência que temos é pelo uso de apenas um antiepiléptico para tratamento das crises. Isso é o que se chama de “monoterapia”. Ou seja, uma única terapia medicamentosa é a primeira recomendação como tratamento. O que fazemos é escolher o remédio mais apropriado para o tipo de crise que o paciente apresenta e observar a resposta. Quando a paciente continua tendo crise, aumentamos gradualmente a dose até chegar na máxima permitida ou até que apareça um efeito colateral. Se a primeira medicação não foi eficiente para suprimir totalmente as crises, passamos para uma segunda escolha novamente na forma de monoterapia.

Pacientes que já fizeram uso de duas medicações sucessivamente, como monoterapia, e que não tiveram controle das crises são considerados portadores de epilepsia refratária. Nesses casos podemos experimentar associações de antiepilépticos com a intenção de diminuir ao máximo o número de crises, ainda que não seja possível o controle total.

Felizmente a maioria dos pacientes ficam totalmente controlados com um único medicamento. Quando bem medicados, quase 70% dos pacientes obtém controle completo das crises. Porém, cerca de 30% dos pacientes continuam tendo crises mesmo depois de duas tentativas de tratamento em monoterapia ou combinação. Essas pessoas são consideradas portadores de “epilepsia refratária ou epilepsia resistente a medicamentos”. Todavia, para considerar esse diagnóstico é imprescindível que a droga antiepiléptica tenha sido bem escolhida a partir do tipo de crise o paciente e que tenha sido tomada nas doses adequadas com boa tolerabilidade.

Quais as opções de tratamento não-medicamentoso?

Após algumas tentativas de tratamento medicamentoso em monoterapia ou associação, avaliamos o paciente que demonstra ter uma epilepsia refratária para saber se ele é candidato a um tratamento cirúrgico. É possível evidenciar por exames onde as crises surgem e que tipo de intervenções operatórias são disponíveis.

É importante buscar o controle completo das crises. Qualquer escape de crise é considerado falha terapêutica e tentamos ajustar a medicação para obter a prevenção completa das crises. Há várias razões para perseguir o controle total das crises:

  1. Uma crise com perda de consciência se traduz em risco de lesões por acidentes, como queda da própria altura ou acidentes com meios de transporte
  2. Uma crise muito prolongada (denominada “Estado de Mal Epiléptico”) pode ocasionar lesões cerebrais permanentes e deixar sequelas
  3. Pacientes sem controle de crises podem ter Morte Súbita Inesperada em Epilepsia (SUDEP = Sudden Unexpected Death in Epilepsy)

Por esses motivos, fazemos o melhor possível para chegar ao controle máximo das crises. Uma medida que pode surtir efeito é a dieta cetogênica que deve ser acompanhada rigorosamente por nutricionista especializado. Outras intervenção não medicamentosas são as cirurgias.

Cirurgia para Epilepsia

O princípio fundamental da cirurgia para epilepsia é a delimitação do foco epiléptico e sua retirada por meio de cirurgia. Em algumas situações, é relativamente fácil chegar ao ponto que origina as crises. Tal feito é conseguido mediante análise das características clínicas das crises, do registro de crises com vídeoEEG e associando os dados dos exames de imagem, como ressonância e SPECT.

A cirurgia mais desenvolvida e eficaz na epilepsia focal é a retirada do hipocampo nos casos de esclerose mesial temporal, principalmente quando acomete o lado contradominante e a área da linguagem pode ser bem preservada na cirurgia. A forma de cirurgia ressectiva é a mais comumente empregada para tratamento de epilepsia.

Outras técnicas podem ser consideradas em casos especiais como a calosotomia anterior, a hemisferectomia total ou funcional e a LITT (cirurgia a laser). Todas elas buscam remover a lesão cerebral que causa as crises ou impedir seu alastramento.

Neuroestimulação

Atualmente dispomos ainda de outras formas de intervir sobre a formação das crises epilépticas no cérebro predisposto. Além das cirurgias acima mencionadas, temos várias formas de neuroestimulação que podem ser úteis para pacientes selecionados.

A Estimulação Cerebral Profunda (DBS – Deep Brain Stimulation) é uma das opções terapêuticas atuais. Além dela, temos ainda a Estimulação do Nervo Vago permitida para crianças acima de 4 anos de idade. Por fim, em casos muito específicos indica-se a Neuroestimulação Responsiva. Essa última consiste na implantação de um eletrodo ou placa sobre o córtex cerebral que detecta quando uma crise está iniciando e dispara sinais elétricos para impedir o desenvolvimento da crise.

O tratamento da epilepsia deve ser metódico e colaborativo

Com tantos métodos disponíveis de tratamento medicamentoso ou não, podemos ter esperanças de controlar bem as crises em mais de 80% dos casos. O importante é que o paciente e seus familiares tenham a dedicação para seguir as orientações do neurologista. Isso significa trabalhar em parceria para vencer as fases de ajustes que são desafiadoras. É natural haver ansiedade enquanto o paciente tem crises e estamos ajustando suas medicações, mas somente seguindo rigorosamente os passos de aumento progressivo de medicação até as doses máximas é que podemos dizer se devemos manter ou mudar o remédio.

Estamos sempre à disposição dos nossos pacientes para caminharmos juntos em busca do melhor tratamento e trazer o máximo benefício para a sua vida.

Roger Taussig Soares
Neurologista SP
crm 69239

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